Política de Bolsonaro para pessoas com deficiência retrocede 30 anos, critica ativista

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Governo Bolsonaro retoma classes especializadas, o que “valoriza a segregação”. Política lançada nesta semana atende mais os interesses econômicos do que os direitos humanos

“Ao invés da gente valorizar o que cada um é, a gente está tentando enquadrar, moldar pelos meios de processos terapêuticos. Não é esse o lugar da escola”, adverte ativista sobre a PNEE 2020

São Paulo – A política do governo Jair Bolsonaro para pessoas com deficiência retrocede 30 anos, afirma a ativista do coletivo Helen Keller, Mariana Rosa. Lançada na quarta-feira (30) pelo governo, a nova Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE 2020) tem recebido críticas por parte de diversas entidades que lutam pelos direitos das pessoas com deficiência. Instituída em decreto n° 10.502 assinado pelo presidente, a PNEE 2020 pode abrir margem para que as escolas regulares adotem uma postura discriminatória. Um dos objetivos da proposta é ampliar o atendimento educacional especializado, ou seja, espaços isolados para estudantes com deficiência.

A medida viola a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada por 160 países, em 2007, incluindo o Brasil. Além de ferir o Decreto 6.949 de agosto de 2009, que deu à Convenção força de lei. E passa por cima da Lei de Brasileira de Inclusão, como elenca a ativista pelo direito à inclusão e integrante do coletivo Helen Keller, Mariana Rosa em entrevista a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual.

O texto do decreto determina que as famílias poderão escolher em que instituição de ensino a criança pode estudar. Estabelecendo desde escolas regulares inclusivas, às especiais ou bilíngue de surdos. Mas, na prática, essa escolha tende a não existir, como explica Mariana.

Segregando e excluindo

“Você teria uma escolha se a gente tivesse um investimento sistemático e importante na qualificação da educação, dos professores, de sua remuneração, na gestão democrática das escolas, na acessibilidade, nos recursos. Aí a escola estaria muito boa, a escola pública, regular, estaria boa o suficiente e a gente poderia escolher. Agora, uma vez que existe o projeto de desmonte da escola pública, que o que estava previsto na Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da educação inclusiva, que também tem 12 anos, não foi cumprido totalmente, então nós vamos escolher o quê? Nós nem fizemos o dever de casa, de implantar o que estava previsto por essa política lá atrás. Estamos decidindo dar um passo 30 anos atrás, sem que a gente tenha avançado a ponto de poder escolher”, contesta a ativista.

Envolvendo os ministérios da Educação e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a proposta não garantiu o mesmo espaço às instituições que representam as pessoas com deficiência. E foi tomada “sem qualquer respaldo democrático”, como frisa Mariana.

Mãe de uma criança com deficiência, a ativista pode afirmar que “a sociedade e educação brasileira têm muito mais experiência em segregar, excluir do que incluir”. Mariana conta que, mesmo com a vigência da PNEE desde 2008, ao menos seis escolas negaram uma matrícula à sua filha. A prática, antes contraria à lei, agora ganha brecha por conta do decreto de Bolsonaro.

“Você imagina que a escola podendo dizer ‘olha, não estou preparado, vai para essa escola especial que lá eles podem’. É claro que ela vai ser conduzida para uma escola especial. Então, é uma falácia a gente falar que vai ter escolha, não vai ter escolha, nunca foi sobre isso”, aponta.

Escola é para ser escola

De acordo com a ativista, é a inclusão das pessoas com deficiência que fica em risco. Ela, por exemplo, “que seria talvez uma família clássica que encaminharia a filha para a escola especializada, porque minha filha tem grande nível de dependência. Ela não anda, não fala, precisa de apoio para todas as atividades cotidianas, não é muito óbvia a maneira como ela constrói o conhecimento e se comunica”, como relata, mesmo assim fez questão de matricular a criança em uma escola regular, porque é a instituição, como garante, “que tem que melhorar”.

“Eu quero que ela esteja na escola regular, e que essa escola pública, gratuita, laica e de qualidade esteja à altura dela”, destaca. “A escola que tem que melhorar e não retroceder, piorar, lotear a educação e segregar as pessoas. O que vamos aprender com isso como sociedade? Que temos que apartar alguns tipos de diferença? É isso que a gente quer?”, questiona Mariana.

“Essa é jogada que valoriza o processo de segregação, que é inclusive, até hoje pelo menos, inconstitucional, além de ser imoral, discriminatório, capacitista e violador de direitos”, ressalta. A nova política fica agora a cargo dos entes federados, que podem escolher de forma voluntária se vão aderir ou não. Aos que escolherem, o governo Bolsonaro já declarou que dará incentivos. Sem a devida valorização da escola pública, a opção da PNEE saltará aos olhos, preveem as entidades.

Interesses econômicos

Esse cenário já havia sido advertido pela RBA quando, em reportagem no início do ano, a pesquisadora Meire Cavalcante, da Faculdade de Educação e do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alertava que o governo Bolsonaro daria continuidade ao desmonte do PNEE iniciado ainda na gestão de Michel Temer. À época, já destacava a pesquisadora, que o que estava em jogo era o interesse de determinadas instituições “que se beneficiam da segregação de seres humanos e de classes especiais economicamente”.

Mariana concorda. “Tem muitas misturas aí e no final das contas não é sobre direitos humanos, os direitos da pessoa com deficiência. É sobre interesse econômico”, garante.

A sociedade que queremos

“Eu compreendo as famílias de crianças com deficiência que encontrem respaldo e apoio nas instituições especializadas, porque lá, as crianças e jovens têm atendimento de fonoaudiologia, de fisioterapia e terapia ocupacional. Mas a escola tem que ter o lugar de escola. Ela é o lugar de ensinar e de aprender. Se gente substituir isso por uma vivência terapêutica, a gente está passando uma mensagem para a sociedade de que as pessoas com deficiência não aprendem, de que na verdade elas precisam ser tratadas para que possam performar dentro de um determinado padrão que foi estabelecido”, adverte a ativista e integrante do coletivo Helen Keller.

“Em vez da gente valorizar o que cada um é, a gente está tentando enquadrar, moldar pelos meios de processos terapêuticos. Não é esse o lugar da escola, o lugar da escola é de valorizar a diferença, de aprender e conviver com ela. E para fazer o tratamento terapêutico, que é importante, a gente recorre ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social)”, finaliza na Rádio Brasil Atual. Mesmo com o decreto, os ativistas, entidades comprometidas e as pessoas com deficiência continuam na resistência frente a esse processo.

Confira a entrevista

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