Um insulto à inteligência do(a) trabalhador(a)

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Recentemente, o debate sobre a terceirização ganhou expressão no espaço público. Há anos, a CUT discute uma proposta de regulamentação, mas só recentemente este tema entrou na pauta da sociedade. Hoje, seja no meio acadêmico, entre juristas e economistas, nos meios de comunicação, na escola, no ônibus, no supermercado, todos falam sobre os riscos do projeto que tramita no Congresso. Não foi à toa que o debate ganhou a opinião pública e o interesse dos trabalhadores. Todos esses atores reconheceram a centralidade dessa disputa, na boa, velha e sempre atual, luta de classes. A terceirização está no centro da pauta, não porque exista entre os trabalhadores um debate de cunho ideológico, mas porque eles entenderam que esse assunto diz respeito aos seus interesses concretos. É a consciência de classe que emana da experiência concreta do trabalhador.


Alguns consensos têm sido determinantes para o entendimento da disputa que está em jogo na regulamentação da terceirização. O primeiro é que trabalho terceirizado é trabalho precarizado. Todo trabalhador sabe que um terceirizado tem menores salários, menos direitos e é identificado como um trabalhador de segunda categoria, discriminado no ambiente de trabalho. O desejo do terceirizado é ser contratado pela empresa e o pavor do trabalhador direto é ser terceirizado. O segundo consenso é que todo patrão defende em primeiro lugar seus interesses e, neste sentido, proposta boa para o patrão dificilmente é boa para o empregado. O trabalhador brasileiro percebeu o risco que está correndo com o PL 4330: todos os trabalhadores poderão ser terceirizados e submetidos a condições rebaixadas em curto e médio espaço de tempo caso o projeto seja aprovado.


Em audiência pública no Senado, o presidente da CUT foi categórico ao dizer que o PL 4330 é ruim de cabo a rabo. Vagner Freitas expressou o sentimento da classe trabalhadora, foi seu fiel porta voz. Mas há quem defenda o projeto. Parcela da Força Sindical soma-se aos empresários e seus prepostos no Congresso argumentando que ele garante direitos aos trabalhadores terceirizados.


Na avaliação da CUT, não existe meio termo na negociação do projeto, pois a questão central é a abrangência da terceirização, os demais dispositivos serão inócuos a depender desta definição. A terceirização é um mecanismo utilizado pelas empresas para aumentar lucro e competitividade reduzindo o custo do trabalho. Neste sentido, o raciocínio é matemático: ampliar a abrangência é ampliar a precarização. O trabalhador sairá perdendo.


Para dialogar com o argumento de que o projeto cria proteção aos trabalhadores que hoje já são terceirizados garantindo representação sindical, responsabilidade solidária da empresa contratante e maior participação do sindicato no processo de terceirização, é necessário avaliar com maior profundidade alguns aspectos.


Em relação à representação sindical, o projeto prevê que nos casos em que a empresa terceirizada seja da mesma atividade econômica da contratante, os trabalhadores serão representados pelo mesmo sindicato. Considerando que isso ocorra, a lei hoje já determina que trabalhadores da mesma categoria, desde que estejam na mesma base territorial, sejam representados pela mesma entidade sindical. Neste sentido, não haveria nenhuma nova garantia para o trabalhador terceirizado. Novidade seria as empresas passarem a contratar terceirizadas na mesa atividade econômica que a sua.


O projeto estabelece ainda que a empresa contratada para prestar o serviço terceirizado deverá ser especializada e ter objeto único. De acordo com parecer do consultor jurídico da CUT, Dr. José Eymard Loguércio, reduziremos a organização sindical por categorias profissionais em uma única categoria, trabalhadores em empresas especializadas que passarão a ser representados por sindicatos de trabalhadores em empresas especializadas nos mais diversos tipos de especialização que se pode imaginar. Além de desmontar a atual estrutura de organização dos sindicatos e jogar para o esquecimento as conquistas que os trabalhadores acumularam em décadas, teremos um expressivo avanço na fragmentação da representação sindical no Brasil, que se traduzirá em sindicatos sem poder real de negociação e trabalhadores desprotegidos.


Imaginemos uma empresa especializada em análise de crédito que será contratada para prestar serviço a um Banco. Seus trabalhadores serão representados por um sindicato de prestadores de serviço “especializado”. Com quem eles negociarão seus direitos? Com o Banco que têm lucros absurdos com suas operações de crédito ou com a empresa especializada pela qual serão contratados? Esses trabalhadores serão beneficiados pelo resultado final do seu trabalho, com participação em lucros e resultados, por exemplo? Acrescente-se a isso, a possibilidade de subcontratação, ou seja, quarteirização dos serviços, com quem os trabalhadores na ponta da cadeia irão negociar seus direitos?


Segundo o ministro do TST, Luiz Philippe Vieira de Mello, “todas as construções de anos dos sindicatos vão desaparecer. A situação é muito agressiva (…) O projeto de lei da terceirização restabelece a locação de mão de obra. E mais: sucessiva”. Me reservo o direito de economizar tempo, por isso não vou tratar aqui da obrigação de informar o sindicato, prevista no projeto e avaliada por alguns como avanço.


Me permito discordar da avaliação do coordenador técnico do DIEESE, Clemente Ganz, em artigo publicado recentemente no Le Monde Diplomatique onde, divergindo do posicionamento da CUT, ele avalia que o projeto cria medidas de proteção como a responsabilidade solidária. Hoje, os processos de trabalhadores que reclamam seus direitos, considerando-se um universo de 12 milhões de terceirizados, congestionam a Justiça do Trabalho. Com a legalização da terceirização sem limites e da quarteirização, o número de ações judiciais seria elevado exponencialmente e tornaria inviável qualquer controle sobre o avanço dos calotes e da precarização. Como podemos, em pleno uso da razão, entender como um avanço, considerando o conjunto do projeto, o trabalhador e a trabalhadora terem o direito de reclamar na justiça que a empresa contratante seja diretamente responsável pelo pagamento das verbas que lhe foram sonegadas? Com todo respeito, isso ofende a inteligência dos trabalhadores brasileiros.


Poderíamos ainda discutir a questão dos prejuízos para os cidadãos que assistirão a um declínio ainda maior na qualidade dos serviços sejam eles de saúde, educação, transporte e outros, já que todos poderão ser terceirizados. Esse assunto merece uma análise mais profunda, pois não é razoável responsabilizar o trabalhador terceirizado por este problema. Analisemos o que se pratica hoje com os jovens nos Call Centers, onde são desrespeitados em sua dignidade, não recebem uma qualificação profissional adequada, trabalham em condições precárias e estão expostos a altíssima rotatividade e doenças profissionais. Por uma questão de bom senso, não podem ser responsabilizados pela qualidade do serviço.


Há, por fim, um último ponto na versão final do PL 4330 aprovada pela Câmara dos Deputados (hoje tramitando no Senado como PLC 30/15), determinando que cooperativas e associações, entre outras, poderão ser contratadas para prestar serviços terceirizados, sem nenhuma necessidade de comprovação mínima de capital e condições econômicas, e com todas as fragilidades que podemos imaginar. Apenas isso, não fossem os outros riscos que o projeto apresenta aos trabalhadores, já seria suficiente para elevar em muito a precarização das condições de trabalho.


Termino reafirmando a posição da Central Única dos Trabalhadores: queremos regulamentar a terceirização através de uma legislação que garanta igualdade de direitos e condições de trabalho entre terceirizados e contratados diretos e que responsabilize igualmente contratante e contratada por esses direitos. Defendemos o direito a igual representação sindical pela categoria preponderante e a todas as conquistas acumuladas em anos de organização e luta sindical. Não aceitaremos em absoluto a legalização da terceirização na atividade fim, seja ela em parcela, percentual ou seja lá qual for a formulação que vier a aparecer.


Por fim, defendemos uma maior responsabilidade social das empresas e compromisso com o desenvolvimento do país. Acreditamos que o aumento da competitividade será resultado de mais investimento em inovação tecnologia e qualificação profissional, agregando valor à produção, garantindo a valorização dos trabalhadores e fazendo uma justa repartição da riqueza gerada pelo trabalho. Essa é nossa proposta para construirmos juntos uma nação com menos desigualdade social e mais cidadania.


Fonte: CUT Nacional

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