A premissa para a reforma deveria ser, evidentemente, a melhoria da qualidade do serviço público. Não é o caso
Já nasce velha essa reforma. Velha porque os interesses que esconde são os mesmos de décadas atrás, um esforço de reviver o apadrinhamento político no serviço público e sua matriz perversa: subjugar o serviço e os servidores públicos aos interesses políticos locais, pessoais e momentâneos.
E se toda a proposta desse governo federal representa um retrocesso, seja econômico, social, político, ambiental, previdenciário, trabalhista, era de se esperar o mesmo dessa reforma administrativa. Ou seja, um desastre de proporções bolsonaras.
De novo mesmo a coragem despudorada em propor o desmonte do Estado e a desconstrução social do serviço público, num momento em que a Nação, na orfandade do governo, procura forças na sua indignação para salvar vidas e a Democracia, ameaçadas pela falta de governança, pelo negacionismo e desinformação propositada. E tudo aquilo que nos restou, e salvou, esteja agora sendo atacado: a assistência à saúde pública, a sua universalidade, a pesquisa e seus pesquisadores, a educação pública, só para dizer o mais óbvio.
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A premissa para uma reforma administrativa deveria ser, evidentemente, a melhoria e a qualidade do serviço público. Historicamente o Brasil tem contrariado as evidências. As reformas realizadas sempre foram inspiradas no espírito fiscalista dos governantes, de diminuição dos gastos públicos. E para isso, não importa mais que seja verdade, ou não, que servidores e serviço público consomem boa parte do orçamento público, essa propaganda encontra guarida no coração dos brasileiros que há décadas consomem essa visão unilateral nas mídias.
É chegado o momento de resgatar a verdade: o rombo das contas públicas não está e nunca esteve nos gastos com o serviço público. O Ministério da Economia falhou peremptoriamente em comprovar a economia a ser realizada pela proposta de reforma. Intimado, oficiado, notificado por diversos órgãos e entidades, inclusive o Tribunal de Contas da União, por fim, admitiu a inexistência de um estudo de impacto orçamentário.
Bastaria esse motivo – desconhecer impactos orçamentários da reforma – para frear a iniciativa. Mas nosso Congresso Nacional, dividido como a nossa sociedade, também tem suas ambições, e avança a reforma à toque de caixa.
É certo que a reforma administrativa traz consigo uma desconstitucionalização de direitos, passando uma boa parte de sua regulamentação para leis ainda a serem editadas, retirando da Constituição seus vetores. Ainda mais, exclui parlamentares, juízes, procuradores, promotores e militares de sua reforma, e, portanto, mantem as distorções já existentes, o que destrói o argumento da necessidade de realizar a reforma.
A reforma permite que os servidores públicos e a infraestrutura da Administração Pública trabalhem para a iniciativa privada, que, por óbvio, dispensada dos custos do investimento, terá ainda mais lucro, sem retorno ao Estado
Permite também a contratação temporária por até 10 anos, precarizando a contratação pública e permitindo as contratações por apadrinhamento, uma grave violação a princípios tão caros como os da impessoalidade e moralidade.
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Em outras palavras, busca a reforma substituir os servidores por um contingente de trabalhadores terceirizados e temporários, em absoluta precarização das relações de trabalho dos servidores. Mas é preciso dizer alto e claramente: a precarização das contratações impacta direta e imediatamente nas atividades essenciais da prestação do serviço público.
Já comentei em outro artigo que, segundo dados apresentados pelo IPEA, 90% dos servidores públicos estão nos Estados e Municípios. A universalização do serviço público brasileiro decorreu, essencialmente, da própria Constituição Federal de 88, que universalizou as políticas sociais, uma vez que quem realiza e executa essa universalização é o município, por meio dos serviços de educação e saúde.
Os municípios ampliaram suas competências e atribuições, com o provimento de serviços que integram o núcleo do Estado de bem-estar – educação, saúde e assistência. Assim, o Executivo municipal é o grande empregador no setor público brasileiro.
Segundo aponta o aludido estudo, nos municípios, por exemplo, 40% das ocupações correspondem aos profissionais dos serviços de educação ou saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde. Somente os professores do ensino básico e fundamental são um terço dos servidores dos Municípios.
Como se vê, quando se pretende alcançar com essa reforma os servidores, é preciso ter clareza a quem é endereçada a reforma: a todos que se utilizam dos serviços públicos de saúde, educação e assistência, uma vez que são as áreas que sintetizam as políticas sociais essenciais.
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Não se iludam também os atuais servidores; a eles se aplicarão as novas regras de avaliação de desempenho, a possibilidade de redução de jornada com redução de vencimentos e a retirada de parcelas remuneratórias que, em especial, em Estados e Municípios, representam parcela significativa de suas remunerações.
Precisamos barrar na íntegra esse projeto. Depois de toda a experiência que passamos, com a comprovação real da importância do SUS nas nossas vidas, é preciso valorizar todos os nossos servidores, nossos profissionais da saúde, nossos pesquisadores, nossos professores, é agora ou nunca, e não ficarmos, mais uma vez, na contramão da História.
*Lara Lorena Ferreira é Advogada. Membro da Coordenação Executiva da ABJD-SP. Membro do CNASP – Coletivo Nacional de Advogados de Servidores Públicos.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vinicius Segalla
FONTE: www.brasildefato.com.br