Justiça determina que Estado corrija problemas no sistema socioeducativo

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Reforma de unidades, acesso a medicamentos, garantia de visitas íntimas e fim de espaços conhecidos como “tranca” são algumas das determinações feitas ao Estado pelo Poder Judiciário, através da 3ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, em resposta à Ação Civil Pública manejada pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). A sentença demorou. Foram dez anos desde que o Cedeca entrou com a ação, baseada em monitoramentos realizados nas unidades que têm o papel de ressocializar jovens em conflito com a lei. O Executivo pode recorrer.

A ação, de 2009, considera dados de agosto de 2007 a janeiro de 2008, quando o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente – Ceará (EDCA) visitou sete centros da Capital para “monitoramento das unidades de privação de liberdade de adolescentes no Estado do Ceará”, que gerou relatório das unidades de internação, internação provisória e semiliberdade. Atualmente, o Estado tem 17 centros socioeducativos, sendo dez na Grande Fortaleza e sete no Interior.

A sentença afirma que, em quase todas as unidades, foi constatada existência de “cela forte” ou “tranca”, onde adolescentes com “problema de comportamento” são recolhidos em cumprimento de medida disciplinar de contenção. “Esses locais são pequenos, não possuem iluminação, ventilação, nem colchões e ficam em locais isolados e de acesso restrito, privando os adolescentes de direitos básicos como: comunicação com a família, educação e lazer”, explicita o documento.

Conforme Dillyane Ribeiro, assessora jurídica do Cedeca, o regimento interno das unidades prevê procedimento administrativo e disciplinar para cometimento de faltas disciplinares – leve, média e grave -, mas não engloba a dita “tranca”.

“A sanção disciplinar mais grave é o recolhimento do adolescente ao próprio dormitório, que são celas, na verdade. Mas ele não pode ficar sem as atividades que são obrigatórias, como a sala de aula. Os órgãos chamam a tranca de ala disciplinar. Mas ela não tem previsão no regimento interno. Os relatos que a gente recebe dos adolescentes é que, ao menor sinal de alguma indisciplina, os educadores imobilizam os adolescentes e levam pra essas alas sem que sejam escutados e tenham chance de alguma defesa”.

Dillyane explica que, ao longo dos últimos dez anos, outros dois monitoramentos foram realizados e petições foram incorporadas ao processo, uma vez que o sistema “experimentou uma piora considerável”. “A gente teve um ápice entre 2015 e 2016. Por exemplo, em 2016, teve cerca de 80 rebeliões durante o ano, mais de 400 fugas que o Cedeca contabilizou”.

Ela relembra que, entre 2017 e 2018, sete jovens foram mortos sob custódia do Estado. Em 2017, quatro foram assassinados após serem retirados do Centro de Semiliberdade Mártir Francisca, no bairro Sapiranga, por homens armados. O motivo do crime, segundo a Polícia, seria conflito de facções.

Atualmente, há aproximadamente 900 adolescentes no sistema socioeducativo, segundo Dillyane. “Tem uma diminuição da superlotação, mas não porque houve uma política deliberada de cumprir o estatuto e usar a internação como última medida. Mas sim porque, em 2016, houve uma fuga de mais de 400 adolescentes”.

O POVO tentou confirmar com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) a capacidade do sistema e o atual quantitativo de adolescentes sob custódia do Estado, bem como a aplicação das “trancas” como sanção disciplinar, mas a pasta não respondeu os dados solicitados.

Sobre as determinações feitas pela Justiça, a SEAS informa que, desde a criação, em 28 de junho de 2016, deu-se início ao reordenamento do Sistema Socioeducativo a partir de um novo modelo de gestão, que prevê melhoria do atendimento ao adolescente em conflito com a lei, “através da adequação arquitetônica das unidades, realização de seleção e contratação de quadro próprio de servidores, regulamentação de todas as rotinas e dinâmicas operacionais”.

”Dessa forma, muitos dos pontos relativos a essa sentença já foram cumpridos e, em caso de pendências, o Estado cumprirá o que está estabelecido”, diz a nota sem detalhar prazos.

Lotação

A Justiça obriga que o Governo do Estado não interne novos adolescentes quando a quantidade de internos for igual ou superior a 30% da capacidade máxima.

ISAAC DE OLIVEIRA

Fonte: Jornal O Povo

 

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