Análise | Segurança pública pra quem?

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Os dados revelam que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes maior do que uma pessoa não-negra

Ao analisar a questão da segurança pública no Brasil, nos deparamos com uma série de contradições acerca da viabilização do Estado democrático e de direito. Primeiramente, porque o processo de redemocratização no país herdou uma polícia militarizada, com formação autoritária e autorização para eliminar um inimigo. E na atual realidade, esse inimigo é negro, jovem, pobre e morador da periferia.

Em segundo lugar, fica evidente um conjunto de violações de direitos contra uma parcela específica da população, historicamente marginalizada, quando a política de segurança pública é seletiva, e sendo assim, para uma parte da população representa segurança e para outra parte da população significa violação de direitos fundamentais como o direito à vida, à integridade física e moral da categoria dos direitos individuais, e o próprio direito à segurança pública da categoria dos direitos sociais.

Nessa esteira, o Estado que deveria ser garantidor de direitos se torna violador de direitos quando se trata da questão da segurança pública. E, diga-se de passagem, o mesmo Estado que é ausente quando se trata da garantia dos direitos sociais como educação, saúde e moradia. No entanto, é preciso enfatizar que o Estado antidemocrático, ausente e violador de direitos fundamentais volta-se especialmente contra uma parcela da população.

Por isso, analisar a polícia, os mecanismos de controle do crime e a política de segurança pública, passa necessariamente por compreender esses fenômenos a partir de uma perspectiva racializada, visto que, os fatos da realidade revelam que violência e racismo são fenômenos correlacionados, e pela via de um suposto combate à violência e à criminalidade se opera o racismo institucional que aprofunda a desigualdade racial no país.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, relatório produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em 2020, mesmo em meio à pandemia do COVID-19 que restringiu a circulação de pessoas, houve um crescimento do número de mortes por intervenção policial. Foram registradas 6.416 mortes, sendo que 78,9% das vítimas são negras, reafirmando os dados da letalidade policial de anos anteriores que tem como principal vítima a população negra (FBSP, 2021).

De acordo com o atlas da violência, há uma concentração de mortes violentas contra a população negra, os dados revelam que a chance de um negro ser assassinado é 2,6 vezes maior do que uma pessoa não-negra, assim como, as mulheres negras representam 66% das mulheres assassinadas no Brasil (IPEA, 2021).

No Brasil, além dos altos índices de letalidade policial e de mortes violentas, há uma superlotação do sistema prisional, de forma que existem mais presos do que vagas nos presídios. De acordo com os dados sistematizados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública existem 1,5 presos por vaga. E mais uma vez, constata-se o sujeito negro como principal alvo do encarceramento, representando 66,3% das pessoas presas, assim como também se confirma o perfil jovem dessa massa encarcerada, uma vez que os jovens de 18 a 29 anos representam 48,6% dos presos no Brasil (FBSP, 2021). Destaco ainda, que há uma enorme quantidade de presos provisórios, ou seja, pessoas que foram privadas de liberdade sem um julgamento que a condene. Os presos provisórios representaram 31,7% da população carcerária em 2020.

Esse alto índice de encarceramento leva a crença de que o sistema de justiça criminal prende os sujeitos mais violentos da sociedade, porém, ao observar a tipificação dos crimes cometidos por quem está preso identificamos que a imensa maioria está cumprindo pena por crimes da Lei de Drogas (40,96%) e crimes contra o patrimônio (29,91%), enquanto que os presos por crimes contra a pessoa, como homicídio, representam 15,12% da população carcerária (DEPEN, 2021).

No entanto, esse cenário trágico não significa que os jovens negros são os mais violentos, mais perigosos e os que mais cometem crimes na sociedade, mas revela que há uma maior vigilância sobre os jovens negros, assim como há maior vigilância sobre o território periférico. A partir da prioridade do policiamento ostensivo em detrimento de investigações policiais, as polícias selecionam os sujeitos, os territórios e os delitos que são mais vigiados, e consequentemente quem são os sujeitos encarcerados.

Esse processo também constrói um imaginário social do negro como criminoso, violento, perigoso e suspeito, que por sua vez, reforça legitimação social da atuação de uma polícia militarizada e racista, que identifica no jovem negro o inimigo a ser abatido, e dessa forma se retroalimentam produzindo a naturalização de uma sociedade violenta, racista e antidemocrática. Não tem como falar em democracia sem debater seriamente uma política de segurança pública antirrascista, não tem como falar em direitos quando nossa juventude negra não tem direito sequer à vida para usufruir dos demais direitos pelos quais lutamos. Esse tema precisa estar na agenda de toda esquerda, com a centralidade e urgência que a questão merece. Por menos que conte a história, não te esqueço meu povo, se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo! Resistiremos!

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