FUP organizou atos em frente às refinarias, em protesto pelo desmonte e venda. Venda da Rlam (BA) a grupo árabe põe em risco 2 mil empregos. Ex-presidente da Petrobras, alerta para apagão de combustíveis
Milhares de petroleiros e petroleiras participaram, na manhã desta sexta-feira (3), de atos em frentes às refinarias da Petrobras em diversos estados do país. O protesto nacional foi contra a venda de unidades da estatal, que estão sendo repassadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), especialmente para o capital internacional, pela metade do preço.
Este é o caso da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia. Avaliada entre US$ 3 bilhões e US$ 4 bilhões, a Rlam foi vendida pela atual gestão da Petrobras, indicada por Bolsonaro, por US$ 1,8 bilhão para o fundo de investimentos dos Emirados Árabes, Mubadala. A conclusão da venda foi anunciada pela direção da estatal na noite de terça-feira (30/11). O fundo árabe criou a empresa Acelen, que ficará responsável pela administração da refinaria baiana, que deixa um passivo ambiental não quantificado.
Política da Petrobras pode provocar apagão de combustíveis
Um dos críticos à venda das refinarias, o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, atual pesquisador do Instituto de Estudo Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (Ineep), faz um alerta sobre a possibilidade de faltar combustiveis no país. Em entrevista ao PortalCUT, Gabrielli disse que, se a política de desmonte e falta de investimentos da estatal continuarem neste ritmo, pode haver um apagão de combustíveis daqui a seis/sete anos. Confira no final a entrevista de Gabrielli e entenda por que.
Como foi o ato na Bahia
Inconformados, cerca de 1500 dos 2000 mil trabalhadores, inclusive do Sindicato dos Trabalhadores na Industria da Construção Civil, Montagem e Manutenção (SITICCAN ), que representa os terceirizados, protestaram em frente à refinaria baiana. Organizado pelo Sindipetro-BA, SITICCAN e a Federação Única dos Petroleiros (FUP), o ato teve também a participação do coordenador-geral da entidade, Deyvid Bacelar, que discursou para a categoria ressaltando a presença de companheiros de outros estados.
“Os sindicatos dos petroleiros do Amazonas e Paraná e o SITICCAN também vieram protestar aqui na Bahia porque a Rlam já foi vendida aos árabes, e nós queremos sinalizar que nós, brasileiros, continuaremos a luta contra a entrega do patrimônio nacional; que aqui tem sindicatos fortes, organizados e os que os trabalhadores não vão se submeter à redução de postos de postos de trabalhos e direitos trabalhistas”, resumiu Bacelar.
O coordenador-geral do Sindipetro Bahia, Jairo Batista, acredita que o recado foi dado, inclusive para a Acelen. Além disso, ressaltou o dirigente, os petroleiros conseguiram mostrar unidade e também que a luta contra a entrega do patrimônio ao capital internacional continua. Para Jairo, a venda da RLAM representa uma perda de soberania.
“Além dos custos, cada vez mais elevados, dos derivados de petróleo, pode haver risco de desabastecimento, quando a Mubadala entender que é melhor exportar o petróleo para onde gere mais lucro e atenda aos interesses do país do fundo árabe”, disse o dirigente.
O ato marcou também uma posição política de protesto contra a entrega da refinaria de terminal marítimo, Madre de Deus, uma das maiores do país, e da entrega de três refinarias terrestres, também na Bahia: Candeia, Jequié e Itabuna. Veja abaixo os atos nos demais estados.
Confira entrevista que o PortalCUT fez com Gabrielli
De acordo com Sérgio Gabrielli, a venda das refinarias tem efeitos a curto prazo, como a diminuição da capacidade de planejamento como um todo. No caso da Rlam, que é a segunda maior do país, sendo gerida por uma empresa isolada, sem se integrar às demais refinarias do sistema Petrobras, a preocupação aumenta.
“Hoje temos 14 refinarias no sistema sendo programadas para produzir diversos derivados de petróleo. Mas, não é a mesma que produz diesel, gás de cozinha e gasolina. Elas são otimizadas para que no conjunto possam fornecer os produtos consumidos aqui no Brasil”, explica Gabrielli.
“Se você vende uma, como no caso da Rlam, aquela unidade vai ser otimizada para um mercado específico e não no conjunto, consequentemente ou faltará produtos ou haverá excesso de outros”, complementa.
O ex-presidente da Petrobras ressalta que desde 2016, no governo de Michel Temer (MDB-SP), início do desmonte da Petrobras com a finalidade de privatizá-la, o governo passou a diminuir a capacidade de realização as refinarias, que hoje atuam com 77% da capacidade, sendo que o ideal é a capacidade plena, entre 93% a 94%.
“Desta forma você diminui a capacidade de atender, e aumenta a importação de derivados de petróleo. Hoje importamos gasolina, diesel, gás e querosene de avião, e os planos do governo para os próximos três anos é substituir o gás de cozinha (GLP) pelo GNP (encanado), que tem transporte diferente, manuseio e formas diferentes de utilização”, conta Gabrielli.
A preocupação do ex-presidente da Petrobras é com o possível crescimento econômico do país, pós pandemia, que impactará no aumento de importação do diesel e da querosene.
“Para a gasolina não se prevê grande aumento da demanda, mas o diesel e o querosene terão aumentos expressivos de importação, crescendo a pressão para os próximos seis anos, e provocando apagão de combustíveis”, diz .
Segundo Gabrielli, mesmo com o governo anunciando um aumento de produção na refinaria de Pernambuco, é necessário , no mínimo, a produção de 200 mil barris dias, daqui a seis anos. Ou seja, 10% a mais do que produz o país atualmente, em torno de 2,3 milhões.
“Teremos uma relativa folga sem crise de abastecimento nos próximos quatro anos, mas o crescimento da demanda vai provocar a falta de produtos. Se o país não quiser passar por isso, é preciso construir mais refinarias e não se constrói da noite pro dia, são necessários pelo menos sete anos . Se quisermos impedir esta crise e aumentar a capacidade de refino até 2027, é preciso começar a construir no ano que vem ou no máximo em 2023”, alerta.
A RLAM, de acordo com os pesquisadores, é uma das refinarias da estatal que tem potencial mais elevado para formação de monopólios regionais, o que pode aumentar ainda mais os preços da gasolina, diesel e gás de cozinha, além do risco de desabastecimento, o que deixará o consumidor inseguro e refém de uma empresa privada.
Quanto mais você depende de importação, menos autonomia tem para impor seus preços internos e, do jeito que as coisas vão, teremos mais aumentos
Política da Petrobras
O coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar espera que a atual política de preços da Petrobras e de desmonte da estatal seja extinta num possível governo Lula, que mesmo não oficializando sua candidatura, está à frente em todas as pesquisas eleitorais.
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“Esperamos que num governo Lula possamos reverter este processo de desmonte da Petrobras. Enquanto isso, nós precisamos que o STF julgue o mérito da ação que obriga a privatização passar por aprovação do Congresso Nacional . Para isso, estamos mantendo interlocução em Brasília junto aos ministros do Supremo”, finaliza Bacelar.
Já o ex-presidente da Petrobras, diz que qualquer que seja o governo que vier nas próximas eleições presidenciais terá de decidir, se vai depender de importações ou vai produzir aqui.
“É uma opção política que o próximo governo vai ter de enfrentar”, conclui Sérgio Gabrielli.
Além da Rlam, outras duas refinarias da Petrobras também estão em processo final de privatização: a Refinaria Isaac Sabbá, em Manaus (Reman), e a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná.
O governo Bolsonaro pretende entregar ainda a Fábrica de Lubrificantes do Nordeste (Lubnor), no Ceará; a Refinaria Clara Camarão (RPCC/RN), no Rio Grande do Norte; a Refinaria Grabriel Passos (Regap), em Minas Gerais; a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul; e a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.
Confira os atos dos petroleiros nos demais estados
Além da mobilização nacional que parou a Rlam na manhã desta sexta, houve atos também nos terminais de Madre de Deus (Bahia) e de Suape (Pernambuco) e nas refinarias do Ceará (Lubnor), de Minas Gerais (Regap), de Duque de Caxias/RJ (Reduc), de Paulínia/SP (Replan), do Rio Grande do Sul (Refap) e na SIX (Paraná). Os sindicatos realizaram protestos, com atrasos na entrada do expediente.